Ele Habita em meus Ombros - Parte III
Parte final de um conto sobre a sombra que cresce no silêncio
Esta é a terceira e última parte de um conto. Para ler as partes anteriores:
Parte I
Parte II
No dia seguinte, após a aula, fui em direção à um bar perto da faculdade. Era segunda-feira, final de semestre, por sorte não estava tão cheio. A maioria dos alunos já não estava indo às aulas, outros voltaram para seus lares originais. O bar, que antes era barulhento e cheio de vida, hoje estava calmo e lento. Cheguei primeiro que Laura, logo peguei uma mesa na calçada. Eu preferia me manter ao ar livre por conta do calor de dezembro. Peço uma cerveja enquanto espero por ela. Nekar fica à vista, como se esperasse o momento certo para falar algo. Ele parecia mais calado do que de costume. Pela manhã fez seu habitual discurso do quanto eu era um erro, que nada disso faria diferença, que eu estragaria tudo. Mas depois se recolheu, esperando a hora certa para me lembrar tudo isso de novo.
Aos poucos, sinto um calor subir no meu pescoço. Olho para o relógio e vejo que ela está vinte minutos atrasada. Fico mexendo no copo, arrumo o cabelo, me vejo no reflexo da garrafa. O demônio sorri mais largo, mostrando todos seus dentes afiados e podres. Eu sei o que ele vai dizer, mas eu não quero ouvir. Nesse momento, Laura chega, com o passo apertado, jogando a bolsa sobre a mesa e pedindo desculpas. “O ônibus atrasou, você sabe como é!” Ela ri sem jeito, eu digo que está tudo bem.
Ela começa a se arrumar na cadeira e eu reparo na sua blusa de tom pastel, debaixo de uma cardigan leve, as mangas enroladas até o antebraço. Seus cabelos um pouco despenteados, dançavam soltos como o vento. Ela arrumava um caderno de espiral que saia de sua mochila. Do outro lado da mesa, seu cheiro me alcançava — um misto de café morno e páginas antigas, como se tivesse passado a tarde inteira entre livros e xícaras. Era um odor calmo, até nostálgico. Laura sorria de leve, suas covinhas destacando suas bochechas, pousando seus olhos sobre mim como se esperasse algo. Eu disfarço, sem jeito, ainda muito tímido. Digo que já pedi uma cerveja antes dela chegar. Ela resolve pedir outra para me acompanhar, junto de uma porção de batatas.
Perguntei a ela sobre seu dia. Ela me conta da aula de literatura russa que teve, e fala com entusiasmo de autores que eu nunca havia ouvido falar. Ela arrisca algumas palavras em russo enquanto brinca com o anel que envolvia seu dedo. Eu me interesso cada vez mais pelas palavras que saem da sua boca. Parecia perceber minha timidez, e falava de si, contando histórias de infância e preenchendo o silêncio. Estranhamente, eu me sentia cada vez mais à vontade. Ela me perguntava da minha família, da faculdade, dos meus amigos, dos meus interesses. Ouvia atenta quando eu falava de meus diretores de cinema favoritos, que mesmo não conhecendo a maioria, ela parecia se interessar. Eu respondia como se fossemos amigos de longa data. Sentia que eu não precisava fingir.
Nekar tentava dizer que eu estava errado, que ela tinha pena de mim e por isso aceitou sair comigo. Que eu falar de tantos diretores que ela não conhecia me fazia parecer presunçoso. Mas, antes que pudesse terminar seus insultos, a voz de Laura calava-o, e o demônio voltava a ficar encolhido na sombra.
Após algumas cervejas, sentia meu corpo mais leve, mais solto. Ela parecia mais animada, falando mais alto e gesticulando. Como se estivesse encenando uma peça teatral só para mim. Até que Laura pergunta sobre a noite da festa. Sinto como se a mesa entre nós dois crescesse. Me encolho por dentro, esquivo meu olhar e entrelaço meus dedos. Ela percebe e pede desculpas num tom baixo. Fico em silêncio por alguns segundo. Não queria contar, mas havia algo na forma que ela me olhava. Eu não me sentia tão sozinho.
Falei que eu tive uma crise de pânico de uma hora para a outra, imitando as interpretações de Maria. Não cito Nekar, ela não acreditaria que sou assombrado por um monstro desde minha pré-adolescência. Eu falo que num momento de angustia, eu bati no espelho do banheiro e machuquei minha mão. Ela fica em silêncio por um segundo. Nekar finalmente sussurra uma frase inteira: “Parabéns, essa é a hora que ela sai correndo.”
Então, ela toca na minha mão e desliza seus dedos pelos curativos. Meu coração dispara, minhas bochechas ardem. Não sei como reagir. Laura examina minhas cicatrizes como quem lê um livro em silêncio, com cuidado e atentamente. Pela primeira vez em muito tempo, me sinto visto. Ela ergue o rosto, fixa seus olhos nos meus e segura seu olhar em mim por um tempo. Então sorri. Eu me desmonto por dentro, como se algo tivesse finalmente cedido.
Um barulho alto surge de repente. Eu me assusto e ela afasta suas mãos da minha. Um estudante bêbado derrubou seu copo na mesa ao lado, seus amigos o xingaram e riram da situação. Ele se desculpou com o garçom, que parecia mal humorado e cansado de lidar com jovens irresponsáveis.
O momento passa. Voltamos a falar de coisas cotidianas. Nekar parecia satisfeito com o meu desconforto. Laura estava tranquila, mas menos solta. Não dizia mais nada sobre a festa, nem sobre meus machucados. No final da noite, decidimos dividir a conta. Ela pediu um Uber, e eu decidi ir de ônibus para a república. Enquanto o carro não chegava, eu fiquei ao seu lado, com as mãos no bolso, com um pouco de vergonha. Lembrando do seu toque, dos seus dedos deslizando pelos meus, da sua mão segurando a minha, do calor.
O carro chega. Eu me despeço com um tchauzinho. O demônio surge sobre minhas costas, pesado como sempre e diz “Vai deixar a oportunidade passar? Covarde, é isso que você é!” Ele tem razão, como sempre. Eu sou covarde. Quando eu começo a me virar para ir embora, sinto meu braço ser puxado. Laura me envolve num abraço apertado. Ela se mantém assim por alguns segundos, eu não sei como reagir, até que eu cedo e retribuo. Me sinto seguro envolto em seus braços. Ela se afasta, olhando nos meus olhos. Eu não consigo desviar o olhar dessa vez. Sinto-me envergonhado, ela parece enxergar o fundo da minha alma. Estou exposto, frágil, fraco. Eu deveria fazer algo neste momento? Lembro de Raquel, e da forma que ela me olhou. O medo sobe até a garganta, meus dedos transpiram e o ar foge dos meus pulmões. “Eles tinham razão... Sempre tiveram.” Sussurrava Nekar em meu ouvido.
“Você não precisa provar nada.” Laura fala gentilmente, se afastando um pouco, mas não antes de pegar e apertar a minha mão por um segundo. Ela abre a porta do carro e sorri para mim antes de fechá-la. O carro acelera e some na próxima curva. Eu me mantenho ali por um instante, vendo-a partir. Até que começo a andar para casa em silêncio.
A cidade passava por mim, todas suas luzes e barulhos de automóveis, a poluição e a sujeira, mas eu não tocava em nada. Era como se eu estivesse flutuando entre medo e esperança. Nekar estava calado, como se não houvesse nada para dizer, apenas assistia satisfeito.
Dentro do ônibus eu encaro meu celular até ele desligar a tela, tocando uma música qualquer em meus fones de ouvido, mas que eu não escutei nem a primeira nota. Minha mão latejava, como uma dor fantasma deixada pelo toque de Laura. Eu sentia um gosto de areia na boca, o cheiro de terra molhada. Era como se eu assistisse o relâmpago anunciando a tempestade. Mas não havia som, apenas um clarão em branco.
Na manhã seguinte, ainda meio grogue e confuso, vejo Nekar sobre meu peito. Seria um daqueles dias. Ele sorri para mim, ainda estranhamente calado. Satisfeito com a minha angústia e com a minha covardia. Ele se alimentava do meu desespero. Estico o braço e pego meu celular. Ainda com os olhos sensíveis, vejo uma notificação. “Gostei da noite!” Fiquei olhando para tela, como se eu esperasse algo, talvez um comentário de Nekar, mas ele se mantinha calado — o que era muito pior. Decido responder apenas “Eu também”. Simples, direto, mas verdadeiro. Ainda que o gosto da mentira cobrisse minha boca.
Era a última semana de aula, o campus estava vazio. À tarde, finalmente após o demônio sair de cima do meu peito, decidi ir até a biblioteca devolver um livro que eu peguei emprestado para estudar. Chegando lá, por coincidência ou crueldade do destino, avisto Maria acompanhada por Laura. O demônio, pesando em meus ombros, ri do meu espanto. “Corra, elas não querem falar com você.” Olho para os lados como quem buscasse uma rota de fuga. Antes que eu pudesse fazer minha escapatória, escuto meu nome. Maria me chamava.
Sem nenhuma opção, finjo surpresa e vou falar com elas. Laura sorri para mim sem jeito. Eu dou uma risada sem graça e travada tentando manter meus olhos em Maria. Sinto a respiração de Nekar em meu ouvido, ele parecia ofegante. Seus olhos fixados em Laura, observando-a faminto, como uma presa. Era como ele olhava para Raquel. Senti vontade de correr dali, não poderia deixar que o demônio fizesse algum mal à Laura... não a ela...
Nesse momento Maria olha para mim e depois para Laura e fala que precisa correr. Pede desculpas, me dá um abraço e antes de sair olha para mim, arqueia as sobrancelhas e dá uma piscadinha. Canalha. Laura parece tão perdida quanto eu, vemos Maria sumir de vista num instante, como se saltasse muito contente consigo mesma. Ela me paga!
Laura pergunta sobre o livro que eu carregava, meio sem graça. Eu já havia esquecido o que eu tinha ido fazer ali. Coço minha nuca e respondo da forma mais técnica possível. Ela arregala os olhos e finge interesse. Nem eu me interesso por direito penal. Ela me convida para tomar um café na cantina, mesmo sem graça, mesmo com Nekar bufando atrás de mim, eu aceito. Conversamos sobre o fim do semestre, ela reclamou sobre o café horroroso que pedimos, enquanto ria e comentava que isso deveria ser ilegal. Aos poucos as coisas pareciam menos constrangedoras, eu me sentia estranhamente confortável em sua presença.
Os dias seguintes foram semelhantes, Laura aparecia de surpresa acompanhando Maria na república, estudamos juntos uma vez na biblioteca, conversávamos pelo celular sobre nossos dias. Aos poucos nos tornamos próximos, e essas férias de fim de ano ficávamos muito tempo juntos. Lucas brincava que eu estava me distanciando, antes que eu pudesse me explicar, ele ria de forma maliciosa da minha situação. Parecia que qualquer distância que eu havia imposto entre nós dois foi quebrada pelo apoio de Lucas.
No final de dezembro, voltei para casa dos meus pais para passar as festas de fim de ano com eles. O clima era meio estranho, minha mãe parecia feliz por eu estar de volta, enquanto meu pai me olhava friamente, como se estivesse me avaliando. Uma prova que eu não fazia ideia do assunto.
Na véspera de Natal, minha família reuniu-se para fazer uma ceia, chamaram vários parentes próximos e distantes. A casa estava cheia. Eu tentava aguentar a conversa fiada dos meus primos, ouvir os comentários indesejados dos meus tios, comer a comida peculiar de uma tia-avó com um sorriso falso no rosto. De novo, eu estava ali, performando ser o filho perfeito. Era a única coisa que eu sabia fazer quando estava em casa. Nekar ria de mim entre a multidão, sabendo muito bem como manter essa mentira era penosa. Porém, no fundo, eu nem sabia o que eu realmente estava escondendo.
Durante o jantar, meu pai finalmente falou o que queria. “Rafael, quando você vai arranjar um emprego na área?” Fico sem saber como responder. Balbucio algumas desculpas que meu pai parece nem ouvir. Antes que eu consiga formar uma frase completa, ele me corta e diz que conversou com um amigo dele e que há uma vaga para estagiar na área jurídica de sua empresa, e que assim que passasse o período de festas eu iria começar lá. Tudo estava arranjado, não tinha escolha a não ser aceitar. Nekar ria descontroladamente, uma risada seca, gutural. Nos últimos tempos ele vem tentando me influenciar menos, se tornando mais um espectador, e parecia se divertir com isso, como se soubesse que eu já estava no caminho para o abismo.
Dois dias antes do ano novo, Maria me manda uma mensagem me convidando para passar a virada com ela e alguns amigos em comum. Fico reticente, não sei o que meus pais falariam, mas no fim eu aceito.
No dia da festa, saí cedo da casa de meus pais. Minha mãe se despede com um abraço apertado, diz que vai sentir falta de mim. Me olha de cima a baixo, com um sorriso melancólico no rosto, como se estivesse orgulhosa do homem que estou me tornando. Sinto uma pontada de culpa. Meu pai aperta minha mão de forma firme, diz para eu me cuidar e para ser responsável no meu novo estágio. Tenho vontade de gritar. Nekar faz por mim — grita de forma animalesca, mas dolorosa, traduzindo meus sentimentos. Meu ouvido arde com o barulho ensurdecedor, enquanto o demônio ri da minha dor.
Na hora da festa, Maria ainda corria de um lado para o outro arrumando os últimos detalhes, recebendo os convidados, checando se Lucas não havia queimado a lasanha que ele prometeu que era sua especialidade — não era, ele havia feito apenas uma vez antes. A república aos poucos se enchia, mas com uma energia suave, tranquila e íntima. Alguns piscas-piscas deixados da festa de natal, música baixa, pessoas bebendo e conversando. Não conhecia todos, tentei fazer o esforço de me apresentar. Bebi um pouco para ver se me soltava. Nekar zombava de mim “Vai fazer papel de trouxa de novo?”, e eu me sentia desconfortável, como se todos os olhos estivessem virados para mim, esperando o momento que eu fosse deslizar.
Laura chegou um pouco depois, usando roupas leves e elegantes, uma blusa clara de gola alta, saia longa e botas. Maria foi a primeira a cumprimentá-la com um forte abraço. Logo, nossos olhos se encontram, e ela vem em minha direção. Um sorriso me escapa, não queria fazer papel de bobo, mas com ela era quase inevitável. Ela me abraçou forte, me segurando com um braço e encostando o rosto no meu. Então, tirando um pequeno embrulho de sua bolsa, ela me entrega e diz “Espero que você goste.”
As palavras me escapam. Meu peito bate mais forte, fico sem jeito. Falo que não comprei nada para ela, e peço desculpas diversas vezes. Laura ri da minha reação e fala que está tudo bem. “Abre logo!” Seus olhos brilhavam com expectativa. Eu rasguei o embrulho e lá estava um livro. O Duplo, de Fiódor Dostoiévski. “É meio estranho, mas super interessante! Espero que goste.”
Eu a abraço de novo e agradeço pelo presente. Me sinto tocado, sem entender o porquê. A festa continua. Lucas apresenta sua lasanha de brócolis e frango de forma triunfal. Não é das melhores, mas seu entusiasmo dá um tempero especial. Maria dançava no meio de todo mundo, puxando diversos amigos para perto de si. Laura vai junto, alegre e solta. Seus cabelos mexiam de um lado para o outro acompanhando os movimentos de sua saia, seus olhos fechados como se estivesse submersa naquele momento e seu sorriso era hipnotizante, como se iluminasse o tempo à sua volta. Eu não conseguia tirar os olhos dela.
Lucas sentou ao meu lado, me entregou outra cerveja e perguntou “Eai? Como estão as coisas com a Laura?” Tentei desconversar, mas era tão óbvio que nesse momento não havia mais como negar. Respondi que nada ainda, e repeti as palavras de Nekar em meus ouvidos, que ela me via apenas como um amigo. Lucas olhou para mim meio espantado, como se eu houvesse falado o maior absurdo. “Você é meio lento, né, Rafa?” Eu fiquei confuso com seu comentário, e ele continuou “Até um cego consegue ver o que tá rolando. Não deixa a chance escapar.” Então ele se levantou e foi para o meio da multidão, me deixando a sós com meus pensamentos e os comentários de Nekar.
Alguns minutos faltavam para a virada. Os convidados começaram a se reunir na varanda para ver os fogos. Alguns já pipocavam no céu, iluminando ainda mais aquela noite. Todos pareciam ansiosos, alguém tinha o relógio em mãos que jurava estar no horário correto. Faltando dez segundos, todos começam a gritar os números, como se tentassem agarrar o tempo. Sinto algo tocar a minha mão, olho para o lado e vejo Laura. Seus dedos se entrelaçam nos meus, o calor da sua palma aquece a minha. Seu rosto contente, mas com os olhos fixos no céu.
O som dos fogos engole a contagem, alguém reclama que o relógio estava errado. As pessoas riem, se abraçam, gritam, dançam e se divertem. A festa se espalha como um incêndio. Eu me mantenho ali, parado, segurando a mão de Laura. Ela me abraça, me desejando feliz ano novo e finalmente nossos olhos se cruzam. Algo nos prende, como se houvéssemos encontrado um intervalo secreto entre os segundos.
Alguém a chama, meio bêbado, e envolvendo-a num abraço desajeitado. Ela parece tão surpresa quanto eu. O momento passa. “Covarde.” Nekar sussurra em meu ouvido e eu me afasto da multidão.
Depois da meia-noite, a festa foi perdendo o ritmo. As vozes parecem mais arrastadas e cansadas, os fogos não estouravam mais tão alto. O calor da comemoração dá lugar ao cansaço, a conversas confusas e sem propósito, a amontoados de copos espalhados por todos os cantos. Algumas pessoas já haviam ido embora, outras se enfiavam nos quartos e espalhavam colchões no chão para dormir. Laura começou a se despedir dos outros convidados. Maria pergunta se ela não queria dormir lá, mas ela nega, além do mais ela mora alguns quarteirões dali dividindo um apartamento com duas amigas. Elas se abraçam, então Laura me olha e dá um tchauzinho. Eu respondo meio tímido, confuso. Ela recolhe sua bolsa e começa a se dirigir até a porta. Eu ouço passos pesados vindo até a mim. Penso ser Nekar, vindo me atormentar, mas de certa forma, era algo pior: Maria se aproximava com um olhar furioso. “Seu idiota!” Ela tentava sussurrar, mas a voz escapava entre as palavras. “Talvez seja sua última chance! Vai lá perguntar se ela não quer companhia para voltar para casa. A-G-O-R-A!”
Eu fico confuso, meio perturbado. Ela aponta para Laura, que já estava abrindo a porta de casa. Sem pensar, sem ouvir mais nenhum comentário, sem esperar pelo que o demônio sussurraria, eu me levanto e corro até ela. Pergunto se ela quer que eu a acompanhe. Seus olhos arregalam, brilham e com um sorriso ela aceita.
Já fora de casa, o ar da madrugada de janeiro carregava o calor abafado pelo silêncio suave. Andávamos devagar, eu buscava palavras que não me fizessem parecer um tolo, mas minha cabeça estava exausta. Ela falava pouco também, rimos baixinho de algumas coisas que aconteceram na noite, tentávamos manter essa bolha de silêncio e calmaria que nos envolvia.
Virando uma esquina, foi quando ela segurou minha mão novamente, com força, como se não fosse me deixar escapar dessa vez. “Você parece diferente hoje.” Eu procurei palavras para responder, não entendia se isso era bom ou ruim. Nekar se arrastava pelo meu corpo, sem falar nada, esperando pelo que iria acontecer. Seus olhos possuíam uma fúria e um desejo aterrorizador quando eu estava perto de Laura. Porém, ele não comentava sobre ela tanto quanto fizera sobre outras garotas. De certa forma, ele parecia ter medo de Laura.
Caminhamos mais um pouco, em silêncio e de mãos dadas. Chegamos perto da casa dela, ela parou diante do portão e se virou para mim. “Feliz ano novo, Rafael.” Senti uma ponta atravessar meu peito, e o silêncio parecia ter substituído a calma por opressão. Eu respondo, desejo feliz ano novo.
Ela encara, com ternura. Seus olhos mergulham nos meus, enxergando algo que eu não conseguia nomear. Sinto os pelos da nuca se arrepiarem, meu coração dispara, tenho vontade de desviar o olhar, mas algo me ancora. Seus dedos tocam meu rosto, gentilmente, como se manuseasse algo delicado demais para o mundo. Ela levanta as pontas do pé, inclinando-se sutilmente, fechando os olhos devagar. Eu faço o mesmo.
Meu corpo treme todo quando nossos lábios se tocam. Meu cérebro parecia que iria atravessar meu crânio, meu coração explodia mais alto que os fogos de réveillon. Eu tremia, de desejo, de medo, de sentimentos que eu não conseguia nomear. Como se eu estivesse fazendo algo errado, como se eu houvesse profanado uma promessa antiga.
Ainda assim, eu retribuo. Porque era um sentimento belo, esperançoso, mas envolto em dor.
Nekar gritou algo que eu não consegui entender. Não com palavras, não de forma animalesca como fizera mais cedo, mas com vazio. Ele parecia recuar para um lugar profundo. Pela primeira vez em todos esses anos, eu senti que, talvez, ele não tivesse tanto poder assim.
Depois, Laura e eu ficamos ali, testa com testa, respirando em uníssono. O mundo parecia mais tranquilo.
Seus olhos se abriram, brilhantes como as estrelas que nos cercavam. Aos poucos ela deu pequenos passos para trás, segurando a minha mão, me guiando junto dela. Ela abre a porta, ainda me guiando. Entro em sua casa, pequena, aconchegante, incrivelmente arrumada e bem decorada. Ela entrou em seu quarto, sem dizer nada, porém sua intenção era clara, indulgente. Eu a segui lentamente, abri a porta e observei seu quarto surgir à minha frente. É um quarto pequeno, com alguns livros jogados pela escrivaninha, algumas roupas penduradas, um espelho e uma cama grande. Sinto o cheiro dela por todo o quarto, invadindo meus sentidos e acalmando meus nervos.
Ela deixou sua bolsa cair no meio de seu quarto e se virou para mim com olhos que eu não havia visto antes, eles estavam mais decididos, como se chamassem para que eu me aproximasse. Algo em mim fazia eu querer me afastar, não queria estragar tudo, uma hora ou outra ela iria perceber. Laura se aproximava devagar, como se pedisse permissão com o corpo. Seus dedos quentes tocam os meus, sinto o tempo suspender novamente. É como se o quarto se apagasse à minha volta, enquanto ela se mantinha na minha frente observando algo por trás dos meus olhos.
Laura me encarava, tocando os botões da minha camisa, um por um, sem hesitação. Eu deslizei a minha mão pelas linhas de seu rosto, pelos seus lábios que formavam um singelo sorriso. Ela fechou os olhos, com o meu toque, e eu senti sua pele se estremecer um pouco.
Quando nossos lábios se encontraram, senti um arrepio por todo meu corpo. Ela me beijava como se buscasse algo, ao mesmo tempo que me oferecia um abrigo em troca. Sua boca era quente, suave, suas mãos encontraram um caminho por debaixo da minha camisa. O toque leve fazia com que minha pele se sentisse em chamas. Meus músculos tensionam com o deslizar de seus dedos pelas minhas costas e minha nuca. Por um momento quis hesitar, lutar contra o desejo, mas, ainda assim, eu não conseguia. Minhas mãos tremem ao tocar a sua cintura, mas ela as guia, como se espantasse o meu medo.
Quando ela tira a blusa, seus cabelos caem um pouco para frente, e eu dou um passo para trás, observando seu corpo sendo desenhado pela luz fraca do abajur. Eu tentava decorar cada detalhe na esperança de cravá-los na minha mente pela eternidade. Não sabia lidar com a sua entrega, mas também não conseguia lidar com o meu desejo. Eu a toco com cuidado, quase de forma reverente. Ela me beija e me empurra suavemente para cama. Meus joelhos cedem e eu me espalho pelo colchão. Laura subiu sobre mim, e nossos corpos se ajustaram como parte do mesmo quebra-cabeça. Éramos quentes um contra o outro, eu balançava com o toque de sua pele, enquanto ela não desviava o olhar. Era como se fosse uma conversa silenciosa, um entendimento mútuo, dois corpos dizendo o que palavras não conseguiam. Nos encontramos por inteiro. Um mergulho doce e sereno. Mesmo com o medo vibrando em mim, eu continuo. Pela primeira vez, não sinto vontade de fugir.
Acordei meio confuso, vendo um teto que não me era familiar. Sentia um leve peso sobre meu peito, e então vejo Laura, dormindo com o rosto sobre meu peito. Sua respiração era serena, e seu braço envolto no meu tronco. Por um instante, sinto vontade de levantar, vestir minhas roupas e ir embora. Talvez tudo aquilo foi um erro, algo que eu não deveria ter vivido. Apenas uma ilusão.
Mas fiquei.
Pela primeira vez, havia silêncio dentro de mim. Nekar não falava. Eu tento procura-lo pelo quarto, mas ele não está à vista. Sinto sua presença, mas talvez ele estivesse apenas observando, impaciente, esperando o momento exato. Ou talvez ele desistiu de me atormentar por hoje. De certa forma, me sinto grato. Dou um leve beijo na cabeça de Laura e volto a dormir tranquilo em seus braços.
Alguns anos se passaram. Laura e eu começamos a ficar cada vez mais próximos. Dividíamos domingos preguiçosos, preparávamos refeições improvisadas em panelas velhas e nós preenchemos na presença um do outro. Meu quarto se tornou uma extensão dela, sempre com seus casacos pendurados na cadeira, livros de literatura disputando contra os meus sobre cinema e roteiro, um colar que ela sempre deixava sobre a mesa de cabeceira. Sem contar as xícaras com chá de camomila, que eu me esforcei para aprender exatamente da forma que ela gosta — com mel, nunca açúcar. Ela me mantinha no chão, as vezes me lembrando de tarefas que eu insisto em esquecer de marcar na minha agenda. Os dias são tranquilos, entre saídas para lugares novos, filmes assistidos na pequena tela do meu notebook, ou apenas fazendo tarefas diferentes enquanto aproveitamos a presença um do outro.
Eu comecei a estagiar no emprego que meu pai arranjou. É um bom trabalho, paga bem, meus colegas são prestativos e meu chefe me trata bem já que sou filho de um amigo próximo. Em um ano sou efetivado — uma vitória vazia. Eu me sentia um impostar debaixo daquelas camisas sociais. Não sentia nenhum prazer no que eu fazia, alguns dias eu me arrastava para o trabalho e chegava em casa sem energia. Me afundava no sofá e Laura me observava gentilmente, sentava ao meu lado e colocava sua cabeça no meu ombro, sabendo que isso era o suficiente.
Não ajudava que eu ainda estava na faculdade, e por um semestre minhas notas caíram. Meu pai me deu um sermão furioso, falando de suas expectativas, de responsabilidade e sobre tudo o que ele havia sacrificado. Meu corpo paralisou com as memórias e a figura do velho padre. Esse dia eu fiquei muito abalado, e Laura ouviu tudo sem dizer nada, até que à noite, ela apenas se deitou ao meu lado e segurou minha mão até eu adormecer.
Ela se dava bem com a minha mãe, apesar de ela reclamar que eu estava namorando uma garota fora da Igreja. Meu pai, muitas vezes, parecia não reconhecer a presença de Laura mesmo estando no mesmo ambiente. Já ouvi ele comentar com a minha mãe algo como “Quando Rafael encontrar uma mulher de verdade...”, mas eu decidi ignorar.
Laura passava seu tempo traduzindo um conto de Tolstói como parte de sua iniciação científica, dando aulas de literatura num cursinho comunitário e lendo pilhas de livros do século XIX, descrevendo-os para mim nos mínimos detalhes. Eu me deleitava ouvindo sua voz. Ela via a vida como se fosse uma obra de ficção mal editada, tentando procurar todas as vírgulas postas no lugar errado. Era idealista de uma forma que me surpreendia e até me inspirava.
Porém, apesar disso tudo, Nekar ainda estava presente. Alguns dias ele pesava sobre meu peito na cama, dificultando que eu me levantasse. Outros, eu acordava sem conseguir respirar, apenas para vê-lo com suas mãos em volta do meu pescoço, numa expressão de pura fúria e dizendo coisas como “Você ainda vai se arrepender. Não há salvação para nós.” Mas ele estava menor, bem menor, e ainda mais calado. Se mantinha por perto como mofo debaixo de uma parede recém-pintada. Ele me alertava que Laura era perigosa, que um dia iria me deixar e que eu sofreria como nunca antes. Eram palavras ao vento — sua voz não era mais um grito, apenas um ruido baixo.
Foi no último ano da graduação que as coisas viraram de ponta à cabeça. Maria estava para se mudar da república, iria morar com a namorada numa casa só delas após a graduação. Lucas passava mais tempo fora, entre estágios e ficantes. A vida parecia nos separar, e além de encontros curtos, eu mal conseguia vê-lo. As coisas pareciam aos poucos se mover, era como se o mundo girasse e eu me mantivesse inerte. Decidi alugar um apartamento. Convidei Laura para dividir comigo, mas o preço não era condizente com o quanto ela recebia. Então falei com Lucas, e ele aceitou. A convivência era tranquila, ainda mais que ele não parava em casa. Às vezes nos encontrávamos no café da manhã, e parecíamos dois fantasmas gentis. Tudo parecia tranquilo. Até que eu comecei sentir algo se mover.
Começou devagar. Eu mantinha as cortinas fechadas, o quarto desarrumado, com pilhas de roupas e sujeiras antigas. Eu dizia que era cansaço, que lidar com o emprego, faculdade, tudo de uma vez me exauria. Os olhos de Nekar pareciam brilhar na escuridão do meu quarto, sem dizer nada. Seu sorriso era pequeno, como um galho seco no canto do armário. Ele não me incomodava, mas sua presença crescia de forma perturbadora.
O trabalho me estressava, e às vezes eu não conseguia ir à aula por ter que ficar até depois do horário. Quando terminava o expediente, ignorava algumas mensagens de Laura no celular e comprava uma cerveja para conseguir lidar com a exaustão mental. Depois, levava uma para o horário do almoço. Quando percebi, estava escondendo algumas pelos armários do apartamento. Nekar parecia cada vez mais feliz. Eu mandava que ele tirasse o sorriso do rosto, pois eu já era adulto e poderia fazer o que eu bem entendesse. Ele ria da minha raiva.
Laura começou a perceber a mudança do meu comportamento. As mensagens demoravam mais para chegar e os encontros eram mais raros. Eu tentava acalmá-la, sorrindo quando estávamos juntos, abraçando-a calorosamente e beijando sua testa enquanto dizia que estava tudo bem. No fundo, era como se parte de mim estivesse em outro lugar. Ela também tentava, fazia seus comentários engraçados sempre que podia, tocava meu rosto com delicadeza, contava histórias dos seus colegas e de suas leituras recentes.
Um dia, enquanto estávamos nos arrumando para dormir, ela segurou minha mão e disse “Você parece ausente.” Seus olhos pareciam ter perdido um pouco do brilho costumeiro. “Mesmo quando estamos juntos, você está em outro lugar.” Eu respondo que é apenas cansaço, tudo vai melhorar quando eu me graduar e vou compensá-la pelo tempo perdido. Ela sorri, mas eu sei que era forçado. Por trás da máscara eu conseguia enxergar algo além. Nessa noite Nekar sussurrou no meu ouvido que Laura escondia algo.
O demônio crescia gradualmente, embora ainda fosse menor do que um dia já havia sido. Ele começou a se tornar mais agressivo quanto à Laura, como se seu medo houvesse sumido. Zombava de suas falas, comentava de seu corpo e tentava me fazer desconfiar de seus sentimentos.
Durante uma madrugada, deitados na cama, ela encostou no meu ombro, sua mão deslizou sobre meu tronco, seguido pela minha coxa. Eu me mantive imóvel, fingindo que estava dormindo. Laura suspirou, tentando não parecer triste. Eu me encolhi, tentando não parecer eu.
Nos dias seguintes, o trabalho pareceu sugar ainda mais a minha energia e saúde. Eu me sentia cada vez mais ressentido por ter sido forçado a trabalhar lá. Crio dívidas e necessidades que só podem ser resolvidas estando no ciclo vicioso que se tornou minha vida. Numa noite, Laura bate na porta do banheiro enquanto eu coloco tudo que estava no meu estômago para fora. Com uma mentira fraca, eu digo que está tudo bem. Meus olhos ficam mais fundos, perco um quilo, talvez dois. Nekar fica mais audacioso, martelando em meu ouvido tudo que sempre disse, como se nunca houvesse se calado um dia sequer.
Num sábado de primavera, Laura chega animada, comentando sobre sua iniciação científica. Falava com paixão, com brilho nos olhos, sua voz alta iluminava os cantos escuros do meu quarto. Ela era como um sol, e eu não conseguia encará-la sem cerrar os olhos. Era demais para mim. O demônio, pesava sobre meus ombros quando disse “Ela tem luz demais. E quanto a você? Apenas uma escuridão dentro do peito. Ela já está percebendo, não vai demorar muito tempo até que ela se canse.”
Era feriado, eu estava no sofá da casa da Laura, lendo sobre o próximo filme de um dos meus diretores favoritos, enquanto ela lia mais um de seus livros russos. O Beijo, de Tchékhov, Laura analisava o texto com delicadeza, como se traduzisse as palavras e os significados por detrás da intenção do autor. O silêncio é quebrado quando ela diz “Tem algo nesse conto que me lembra você.”
Fico confuso com o comentário. O demônio começa a se arrastar nas minhas costas. Pergunto o que ela quer dizer com isso. “Há um ar no protagonista que me faz lembrar de você. Meio misterioso... melancólico... sabe?” Olhando para ela, foi quando eu me senti totalmente exposto, quase nu. Não era como das outras vezes que eu me sentia visto por ela. Era como se eu tivesse sido arrancado do meu próprio casulo, deixando uma larva mal formada e patética. Um silêncio desconfortável pairava pela sala de estar. Até que eu respondo, com a voz azeda:
“Você só gosta desses livros porque te fazem se sentir especial.”
Laura para, o sorriso some. Ela me encarou por alguns segundos, seus olhos um misto de dor, raiva e decepção. Olhos que me eram familiares, mas em outro rosto. “Você sabe que isso foi cruel, né?” Eu desvio o olhar, envergonhado, mas sem pedir desculpas. Sem coragem de encará-la. Nekar se animava em meus ombros, e gargalhava com entusiasmo que não apresentava há anos.
Alguns minutos se passam, ela parece emburrada, até que se levanta e vai em direção ao quarto. Eu a sigo, a culpa vai crescendo dentro de mim. Nekar me caçoava: “Você a feriu, e eu nem precisei falar nada dessa vez.” Abri a porta e ela estava de costas para mim. Chamo pelo seu nome e peço desculpas, transparecendo constrangimento. Laura se vira para mim, seus olhos cheios de lágrimas presas entre as pálpebras, seus braços cruzados numa postura defensiva, mas pronta para contra-atacar. Eu tento conversar, mas ela não parece receptiva. Aos poucos ela vai cedendo, seus braços relaxam. Nos abraçamos e eu prometo nunca mais fazer nada como isso. A criatura ria como se soubesse da minha mentira.
No trabalho, sinto cada vez mais pressão. São jogadas pilhas e pilhas de obrigações são jogadas no meu colo. Meu chefe parecia menos tolerante, e sua fala era cada vez mais dura. Um dia, eu cometo um erro enquanto processava uma papelada. Ele grita comigo, suas palavras duras se tornam insultos velados. Eu explodo, e o insulto de volta, abertamente. Seu rosto ficou vermelho, como se fosse um vulcão prestes a entrar em erupção. Ele mandou que eu saísse de sua frente, e eu o obedeci com prazer. Dali, fui direto para um bar.
Chegando em casa, tarde, Laura esperava por mim em meu quarto. Olhando-me com uma expressão decepcionada. “Você esqueceu?” Eu procurava em seu semblante por respostas, não conseguia achar nenhuma. Olho para meu quarto e vejo um par de ingressos sobre minha mesa. Merda. Peço desculpas e explico o que aconteceu. Me aproximo para abraça-la, mas ela me para com uma mão e contorce seu rosto. “Você bebeu?” Respondo com a voz arrastada e intoxicada, dizendo que só um pouco, não era nada demais. Nekar pergunta se agora ela vai querer controlar tudo, e eu, sem perceber, repito suas palavras. Laura parece surpresa, a pergunta soa como um ataque.
“Você tem estado diferente. Mais distante. Frio. Me tratando como se eu fosse um... estorvo.” eu revirei os olhos, como uma reação involuntária a sua fala. “Às vezes você não parece você mesmo. É como se... você carregasse algo consigo... e às vezes... essa coisa olha para mim.”
Meu corpo congela. Sinto o estômago apertar, minha garganta se fechar num nó. Eu esfregava os olhos, e ela já estava com a cabeça baixa, como se esperasse uma resposta minha, mas que não quisesse ouvir. Eu não consigo responder. “O que tem te feito ser tão cruel comigo, Rafa...?” Laura falava com a voz embargada.
Silêncio. Nekar ri baixinho, observando a cena, deixando escapar pequenos ruídos entre os dentes. Sua mão apertava minha nuca, seus pés afundavam as garras em meus ombros. “Me deixa te ajudar.” Laura olhou para mim de novo, implorando para que eu me abrisse, ao mesmo tempo que conseguia enxergar as rachaduras entre minha pele. Eu recuo, tento tapar os vincos rapidamente. Quando menos espero, eu grito de novo, coisas que eu mal me lembro. Eu queria machucá-la, mas ao mesmo tempo, eu morria a cada palavra que se formava.
Seus olhos se enchem de lágrimas. Ela cobria a boca com a mão, tentando disfarçar a dor e o espanto. “Tem algo em você que quer me ferir.” Ela tem razão. Tem algo em mim que quer ferir tudo ao meu redor.
Ela pega sua bolsa com pressa, sai batendo os pés. Eu a vejo partindo, sem conseguir fazer nada. Para na frente da porta e diz “Não consigo mais continuar te olhando... não quando você está assim.” E eu senti... Eu tive certeza. Neste momento, Laura conseguia ver o demônio encolhido como uma gárgula em meus ombros.
A porta se fecha. Nekar ri tão alto que eu preciso cobrir os ouvidos.
Os dias seguintes são ainda piores. Laura não me dá notícias, não repensa, não manda nenhuma mensagem. Eu mereço, afinal. O tempo vai passando, devagar, como se cada minuto sem a ver fosse uma eternidade de sofrimento. Mergulhei cada vez mais no trabalho, que eu passei a odiar ainda mais, e a todo momento carrego comigo um cantil com bebida escondida. Tento entorpecer a dor, da forma que for necessária.
Lucas percebeu uma diferença no meu comportamento, ele me pergunta se está tudo bem. Eu minto, obviamente, tão mal que parecia que eu não estava tentando esconder. Ele tenta perguntar outras vezes, mas isso faz com que eu me afaste dele a passos largos. Chegou um momento que parecíamos dois desconhecidos dividindo a mesma casa, mal reconhecendo a presença um do outro.
Eu não estava em paz.
O processo de dormir se torna doloroso. Minha cama, que Laura sempre reclamou do tamanho, nunca pareceu tão grande. Eu me mantinha acordado lembrando das noites em que Laura dormia contra o meu peito, respirando baixinho enquanto eu a envolvia em meus braços e beijava a sua testa. Prestando atenção em sua respiração até perceber que ela dormiu, sussurrava no seu ouvido o quanto eu a amava e, finalmente, eu adormecia numa paz que eu nunca mais senti. Nem isolado em meu quarto eu sinto tranquilidade. Eu a via em todos os cantos: deitada na minha cama tirando um cochilo, sentada no chão com o notebook no colo escrevendo seu projeto, se arrumando quando íamos sair para algum lugar, usando meu computador para jogar alguma coisa, mexendo na minha estante e tirando as coisas do lugar, ocupando meu armário com as roupas dela, sentada na frente da janela lendo algum livro que ela trouxe de casa. Meu quarto se tornou uma casa mal-assombrada, e o fantasma é a memória dos nossos dias juntos que preenche-o por completo, e os presentes que ela me deu se mantêm sobre as prateleiras me observando como peças de um passado perdido.
Choro baixinho, antes de dormir. Olhei para Nekar, e percebi que estava muito maior. Seus braços e pernas eram mais longos que os meus, seus dentes e chifres pareciam lâminas distorcidas, e seus olhos eram mais profundos do que jamais foram. Ele ditava como eu passava meus dias, seus sussurros se tornaram comandos, e eu os seguia como um servo obediente. Sentia minha voz sumir aos poucos, como se ela fosse substituída pela rouquidão das risadas do demônio.
Um dia, chego tarde em casa do trabalho, meio intoxicado pela bebida que tomei no caminho. Tateando as paredes, procurando encontrar meu caminho até meu quarto. Lucas estava na sala assistindo um filme. Ele tentou falar alguma coisa, mas eu não conseguia entender. Murmurei algo em resposta e me tranquei no quarto.
Colapsei em minha cama, olhando para o teto e ouvindo a respiração irregular da criatura que me acompanhava. Ele falava incessantemente, como se não precisasse recuperar o folego. Dizia que esse era o meu destino: ficar sozinho, porque é isso que eu mereço. E eu concordo com ele, os bons anos que passei com Laura mal parecem reais.
Olhei para o lado e vi algo um pouco fora do lugar. Apertei os olhos e percebi que havia um livro fora de minha estante. Me levantei e fui até lá arrumar. Quando segurei o livro, fiquei em choque: “O Duplo – Fiódor Dostoiévski”. Meu coração tremia, peguei o livro em minhas mãos e deslizei meus dedos pela capa. Um turbilhão de memórias me invadia. Todos esses anos com Laura passavam pelos meus olhos em um segundo.
Meus olhos se encheram de lágrimas, molhando as páginas desse presente tão precioso. Comecei a sentir meu quarto apertar, como se quisesse me esmagar. As luzes balançavam no ritmo desordenado, o vento assobiava contra a janela. Senti meu pulmão vacilar e perder o fôlego, enquanto eu tentava recuperá-lo a todo custo. Precisava sair dali.
Nekar me observava e aos poucos começava a andar em minha direção. Seu rosto se contorcia num sorriso ainda mais bizarro, sua cabeça girava num ângulo impossível, e seus longos braços esbarravam por todos os móveis, derrubando tudo em seu caminho. Tive medo.
Abri a porta do meu quarto e corri como nunca. Lucas se assustou e perguntou se estava tudo bem. Não respondi e continuei correndo para o corredor do prédio, desci as escadas porque não queria esperar o elevador. Quando olhei para trás, Nekar ainda estava atrás de mim, andando lentamente, bufando e lambendo seus lábios secos com sua língua podre. Ele me fitava com seus olhos abismais, era hipnotizante. Eu precisei lutar contra minha vontade de parar de correr, precisei de todas minhas forças, e continuei com pressa até conseguir sair do prédio.
Parei ofegante na calçada. Era de madrugada, não havia ninguém por perto para me ver nesse estado. Olhei para os lados, procurando meu perseguidor. Nada. Fiquei aliviado, como se eu conseguisse ter me livrado de Nekar.
Mas eu já deveria saber a essa altura que é impossível.
Quando recuperei meu fôlego, ele estava lá, quase o dobro da minha altura e parado na minha frente olhando diretamente para mim. Sinto vontade de correr mais, mas eu finalmente percebi, que seria inútil. Então, eu decidi enfrentá-lo.
Com o dedo em seu rosto nojento, eu gritei que era tudo culpa dele. Que desde que ele apareceu em minha vida, nada tem dado certo. Que ele me manipulava, me controlava e destruía tudo que eu mais amava. E por qual motivo? Talvez ele nem sequer fosse real e eu estivesse enlouquecendo.
Nekar, parou por um instante, me encarando fixamente, sem mover um músculo em seu corpo esquelético. Então ele disparou a rir. Eu poderia jurar que via lágrimas escorrerem de seus olhos de tanto que ele gargalhava. Quando ele finalmente cessou sua risada, pegou fôlego e começou a falar:
“Você me culpa, Rafael, porque é um covarde. Eu nunca te empurrei, nunca te forcei a nada. Apenas abri algumas portas. Eu te obriguei a beber até cair com seus amigos inúteis depois da escola? Te obriguei a olhar para as garotas com luxúria e desprezo? Fui eu que evitei de você estar com seus amigos e família?” Eu queria gritar, tentar responder Nekar, mas ele não me dava brechas. Apenas continuava, e eu me mantinha paralisado por suas palavras. “Você me vê como um demônio, uma criatura, uma maldição. Porque você não quer olhar para o que tem dentro de si. Eu apenas digo aquilo que você não tem coragem de falar em voz alta.”
Meu corpo chacoalhava por inteiro, eu sentia espasmos se formando nas minhas extremidades. Eu tentava respondê-lo, contra argumentá-lo. Mas tudo que ele falava, ecoava dentro de mim.
“Sim. Você sabe muito bem. Sempre soube. Quando você olhava para Lucas, fui eu que plantei em você o desejo? Eu que te fazia sentir nojo desse sentimento? Ou era você? Quando fugiu dele, quando começou a evitá-lo, tratando seu melhor amigo como nada, foi culpa minha?” Eu queria fechar meus olhos, mas eles ardiam com a visão embaçada pelas lágrimas. Nekar se tornava uma forma confusa, como se estivesse ao redor de mim, me consumindo por todos os lados. “Rafa…, fui eu que gritei com Laura como um cão? Você sabe muito bem a resposta, meu amigo.” Eu só queria que ele parasse. “Você gostava. Do poder, da culpa. Você se alimentava de mim. Comia minhas palavras como se fosse pão. E eu? Eu só cresci porque você me dava sua alma em troca, voluntariamente.”
“Se tem alguém aqui que é um demônio, sou eu? Ou é você, que me criou, me alimentou, me escondeu e ouviu cada palavra que eu sussurrava em seu ouvido? Você pode me negar, me odiar, me culpar. Mas sem mim, você não é nada! Apenas um corpo vazio, menos que um homem. Eu sou tudo que te move, tudo que você deseja. A dor, o medo, a vergonha! Você vive por mim, muito mais do que já viveu por qualquer pessoa.”
Por um segundo, pensei em Laura. Em tudo que eu perdi por todos esses anos, nas palavras não ditas, nos gestos interrompidos. Uma chama começou a arder dentro de mim. A dor se dissolvia e dava lugar à raiva. Sem pensar, parti para cima da criatura à minha frente, pulando sobre seu corpo como se eu fosse um animal ferido e encurralado. Nekar parecia tão surpreso quanto eu. Eu grito, empurro, dou pontapés. O demônio recebia meus golpes com prazer e deliciava como quem assistisse um espetáculo grotesco. Tentei acertar um soco em seu rosto, apenas para que Nekar desviasse com facilidade, me lançando sobre o meio da rua.
“Você sempre quis uma prova de que eu sou real.” Nekar falou com sua voz soando como um trovão. “Aqui está.”
Antes que eu pudesse reagir, sinto seus dedos magros e gelados envolverem meu pescoço. Eles apertam com força, e uma dor aguda me perpassa quando suas garras atravessaram minha carne. Eu me debati, buscando ar para respirar, enquanto Nekar se divertia e aos poucos me levantava sobre o chão. Sua força era monstruosa, era como se eu fosse um boneco em suas mãos. Eu tentava resistir e golpear seus braços, mas ele não se movia. Minha visão começava a ficar turva e escura. As luzes da cidade pareciam cada vez mais distantes. Eu escutava apenas aquela maldita risada distorcida que me acompanhou por toda minha vida. Será que esse é o fim...?
Vejo um clarão surgir ao meu lado rasgando a escuridão. E a última coisa que eu escuto é o barulho de algo derrapando sobre o asfalto. E então, um impacto.
Tudo se apaga.
Sinto meu corpo submerso, como se eu me afundasse num mar de escuridão. Aos poucos vou perdendo os sentidos. Meus dedos do pé são os primeiros, seguidos pelos da mão, então os braços, pernas, até que tudo em mim silencia. O único sentido que ainda parecia funcionar era o olfato. E eu sentia um cheiro que me era estranhamente familiar: enxofre.
Aos poucos algo surgiu à minha frente. Uma porta de madeira, velha e mofada. Meu corpo parecia leve, mas hesitante. Com um pouco de dificuldade, consigo levar a minha mão até a maçaneta e abrir a porta.
Do outro lado havia um quarto escuro, não parecia ter um teto. Suas paredes eram repletas de fotos grudadas por todos os cantos de forma caótica. No centro da sala, sobre um banco de igreja velho e mofado, havia um serzinho diminuto, encurvado e imóvel. Me aproximo dele, aos poucos, com cautela. Ele não parecia notar minha presença. Conforme eu andava, o cheiro de enxofre crescia. O serzinho finalmente me percebe, levantando o rosto em minha direção.
“Você demorou.” Diz o ser estranho à minha frente.
Finalmente eu o reconheci. Nekar estava menor. Parecia mais frágil, quase uma criança. Seu rosto não era mais um pesadelo vivo, mas um semblante delicado, quase infantil. Sua voz era mais suave, mas seus olhos continuavam os mesmos, profundos como um abismo.
Ele se vira e começa a observar as fotos à nossa volta. Eu fiz o mesmo. As fotos presas na parede começam a se revelar, e eu reconheço suas imagens. Eram os momentos da minha vida: os bons e ruins, alegres e tristes, os importantes e os esquecíveis. Eu vejo cada um. Eram ecos de mim. Tanta coisa que me aconteceu, e eu não soube aproveitar, muito menos valorizar. Paro na frente de uma específica: uma foto retratando a primeira vez que eu vi Laura.
Eu desabo. Choro como nunca chorei antes. Como se tudo que estivesse preso no meu peito fosse liberado de uma vez, toda minha dor escorresse pelos meus olhos. Eu segurava a foto como se tocasse meu próprio coração.
Senti algo pousar sobre os meus ombros. Eu estremeço, enquanto implorava para que Nekar não subisse em meus ombros novamente. Quando me virei, ele estava com suas mãos infantis e macias tocando meu ombro, e sua expressão era de compaixão. Algo que eu nunca havia visto antes em seu rosto.
“Eu não menti.”, ele diz “Não sou eu que te prende aqui. Nunca fui.”
Num piscar de olhos, Nekar desaparece. Tudo ao meu redor começa a ruir, as fotos somem uma a uma, as paredes caem e o silêncio avança contra mim. Tenho vontade de resistir, de correr, de implorar por mais tempo ali.
Mas eu aceito.
Fecho os olhos e respiro fundo. O cheiro de enxofre invade meus pulmões. É denso. Eu engasgo, me debato, sufoco — e acordo.
Acordei ofegante. Minha respiração acelerada quebra o silêncio daquele quarto estranho. Senti o cheiro de limpeza artificial, de soro, de antisséptico e remédios. Olhei para os lados e percebi que estava num hospital. Eu não conseguia lembrar o que havia acontecido. Logo, uma enfermeira veio correndo falar comigo, parecia demasiadamente surpresa ao me ver acordado.
Ela explicou que eu sofri um acidente, que fui atingido por um carro de madrugada. Meu caso era grave, não sabiam se eu iria sair do coma. Eu me assusto com a palavra. Coma. Pergunto quanto tempo estive desacordado. Ela responde que foram duas semanas. Olho para o meu corpo e vejo minha perna direita completamente coberta por curativos e talas.
Fiquei meio confuso, transtornado. Ela se afastou, dizendo que iria chamar o médico. Do meu lado vejo, sobre uma mesinha, flores murchas, cartas e mensagens. Meus olhos se enchem de lágrimas. Meus pais, Maria, Lucas... Laura. Todos me visitaram enquanto estava desacordado.
Respirei fundo, até que finalmente percebi. Faltava algo. Olhei por todo o canto e não o encontrei. Nekar não estava lá.
Porém, eu ainda sentia sua presença, como um sussurro engasgado no fundo da minha mente. Seu veneno ainda escorria pelas minhas veias.
Fecho os olhos e sinto, pela primeira vez, vontade de tentar. De aprender a viver com ele. Não o demônio que assombrava meus dias e aterrorizava meus sonhos, me arrastando para o fundo do abismo. Mas aquele ser frágil que encontrei em meu sonho, sentado num banco de igreja.
Se Nekar é a voz de toda a minha dor, eu precisava finalmente escutá-lo. Não para obedecer, mas para finalmente entender e encontrar respostas.
Os anos se passam.
Depois de me recuperar, consegui terminar a faculdade, meus pais pareciam satisfeitos. Continuei trabalhando na área por um tempo, cumprindo tabela. Percebi o quanto eu odiava estar ali. Resolvi me arriscar.
Entrei num curso de cinema com bolsa parcial, comecei a escrever roteiros e me apaixonar pela escrita. Às vezes eu sentia uma farsa, que eu nunca iria levar jeito para isso. Outras, eu me sentia vivo como nunca antes. Foi difícil recomeçar, mas teria sido pior ter vivido com mais arrependimentos.
Laura e eu trocamos mensagens após o acidente. Felizes aniversários, atualizações semestrais da vida, citações de piadas internas. Às vezes um “eu sinto a sua falta”. O tempo foi se impondo, a distância era cada vez mais intransponível. A última vez que eu a vi foi no casamento de Maria. Ela estava linda, meu coração bateu mais forte. Ela sorriu para mim e eu precisei não desabar na frente dela. Foi difícil, mas segui em frente. Agora, já fazem anos que não nos falamos.
Logo após o acidente, comecei a fazer terapia. Lidei com meus vícios e compulsões. Grupos de apoio me ajudaram bastante, num ambiente onde eu poderia falar de coisas e expor dores muito antigas que estavam entaladas na minha garganta. Parei de beber. Nem todos dias são fáceis, mas consigo enxergar que os dias ruins não duram para sempre.
De vez em quando, eu ainda ouço Nekar falar, sonho com ele, sinto seu cheiro e o ouço o ranger de seus dentes. Mas esses sons se misturam entre tantos outros. Sua presença é uma constante em minha vida, e quando eu ouço seus sussurros, eles não me atravessam. Não são gritos nem risadas estridentes, apenas um choro entalado.
Hoje, Lucas e eu comemoramos meu primeiro roteiro aceito por uma produtora. Nada grande, apenas um potencial filme independente, mas significava o bastante para brindar. Ele e eu não moramos mais juntos. Ele foi fazer intercâmbio por um ano na Europa durante sua pós. Quando ele voltou, nos reconectamos, e foi como se não tivesse passado um dia sequer.
Nos encontramos num restaurante perto do metrô. Ele pede uma cerveja e eu fico apenas no suco. Rimos, relembramos histórias, conversamos e fofocamos. Ele me abraça com força antes de se despedir. Diz que tem orgulho de mim. Dessa vez eu acredito.
Sigo sozinho em direção ao metrô, me apoiando de leve numa bengala que uso desde o acidente e sentindo a brisa leve de uma noite de novembro. O ar está morno, a cidade já parecia começar a adormecer.
Chego na plataforma quando alguém passa por mim. Ela para, vira o rosto e parece não acreditar no que vê.
“Rafael?”
Levanto o olhar e a vejo. Cabelo comprido, um pouco mais escuro. Usando roupas leves, com uma sacola na mão. Ela sorri, tímida, e as covinhas se revelam, exatamente como eu lembrava.
“Laura?”
Ficamos ali, parados. O trem chega, os passageiros entram, a porta fecha, e se vai. Continuamos assim, parados, enquanto o mundo continua à nossa volta. Tudo parece mais silencioso.
Como se encontrássemos um intervalo entre os segundos.
Fim.
Notas finais:
Terminar esse conto foi um grande alívio e satisfação para mim. O mês de junho basicamente eu estava pensando sobre esse conto e trabalhando nele. Diversas páginas, desenhos, revisões. Tanta coisa que eu coloquei e depois joguei fora até ficar do jeito que eu gostei.
Enfim.
Queria agradecer, novamente, à Lara do Neurótica, eu? que serviu basicamente como editora das três partes do conto, lendo, opinando e até corrigindo meus muitos erros ortográficos. Lara, um dia eu te pago por esse trabalho, talvez não com dinheiro, porque né...
Também agradeço a todos que leram, ou pelo menos abriram o post, nem que seja só pra ver os desenhos. Agradeço de coração e até a próxima!