Três meses foram o bastante para mudar bastante coisa em minha vida. Olho para trás e já não vejo a mesma pessoa que começou essa estação. Não sei se fiz as escolhas certas, muito menos se melhorei. Sei que mudei — como o outono muda a paisagem, de forma melancólica e silenciosa. Mas sei que nem toda mudança precisa ser bonita para ser verdadeira.
O verão terminou com uma esperança ensolarada, como se eu pudesse enxergar a alvorada. O outono começou com verdades nuas, cortantes, como o vento frio da manhã. E eu me vi caindo, lento e silencioso, como as folhas das árvores. A verdade vêm de forma implacável, sem se curvar à ninguém. Ela não consola, não suaviza, apenas se mostra. É uma juíza justa, mas uma algoz cruel.
O outono sempre foi minha estação favorita. O sol gentil pela manhã, e a brisa gelada à noite. Os dias passavam tranquilos, num período transitório entre o calor e o frio. Sair de casa com uma jaqueta fina por cima, sem precisar me preocupar com o tempo. Os dias se tornam mais curtos, e o pôr do sol mais bonito. Ver as folhas secarem e caírem, cansadas de segurar todo aquele peso. As árvores emagrecem, murcham, esperando o inverno chegar. O silêncio preenche o ambiente, dando espaço para escutar tudo aquilo que eu tentava abafar.
Ele ri da piada que ele mesmo contou. Eu o acompanho, ainda meio tímido. As palavras saem de sua boca em rajadas — barulhentas e incessantes — como se quisesse preencher o silêncio antes do frio chegar. Seu sorriso é solto, tranquilo, e sua voz é alta e sincera. Ele fala os maiores absurdos e espera a reação das pessoas em volta, antes de dar risada da reação de todos. Opina assuntos sérios com certeza em sua fala, mesmo sem ter base alguma. Talvez a sua música favorita seja o som da própria voz. Eu e ele somos opostos: ele é o excesso, e eu sou a espera. Somos como folhas levadas pelo vento, arrancadas de nossos galhos de origem e, por acaso ou destino, um dia caímos no mesmo lugar. E ali, nos tornamos amigos.
Não sei fazer amigos novos, pelo menos foi o que eu me convenci nos últimos seis anos. Sempre achei que as pessoas me evitassem. Percebi que eu fugia delas. Odeio ser visto, odeio que me percebam, odeio me sentir exposto. Até que a solidão passou de ser conforto para se tornar uma dor latente. Eu precisava fazer algo.
Faziam duas semanas que eu não ia ao treino de esgrima. Eu sabia que meus movimentos estariam engessados. Mas fui. Eu precisava ir. Haviam poucas pessoas lá, já que era feriado. Normalmente eu fico na minha. Cumprimento com a cabeça, falo pouco, apenas o necessário. Dessa vez foi diferente. Descobri o hobby de um dos instrutores, ele também escreve ficção. Conversamos mais do que o esperado e ele me mandou rascunhos de suas histórias. Recebi dicas de um veterano de como aplicar um golpe que eu tinha dificuldade. Meus movimentos pareciam menos travados, e as engrenagens do meu cérebro pareciam se mexer com um rangido, mas com vontade. Eu levei uma pancada no braço, atingido pelo fio da espada de um homem muito maior que eu. Hoje eu olho para o roxo no meu braço e dou risada. Não só pela lembrança da luta, mas porque, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti presente.
Não existe passado, nem futuro. Apenas o agora. O outono se foi, o inverno já começou. Tento me cobrir nesse frio e me encontrar no meio dessa névoa. Consegui encontrar pequenas fogueiras espalhadas no meio desse branco gelado. O abraço de amigos antigos, as piadas tortas de amigos novos, os conselhos pacientes de veteranos, a comida quente da minha vó, os filmes ruins que meu pai insiste em rever, a bronca da minha mãe quando esqueço de avisar que cheguei bem, as conversas despretensiosas com meu irmão, os reels aleatórios da minha cunhada, as lembranças que insistem em ficar…
Ela sorri para mim. Seus olhos vivos, sua voz aquecida. Eu digo algo, ela ri. Algo faz meu peito bater mais forte. Por que agora? Nunca há uma explicação, apenas acontece. Ela segura a minha mão. É quente. Talvez… mais uma fogueira acesa.
Um ciclo tão certo quanto as estações.
No começo do inverno, encontro calor. Sinto meu corpo descongelar.