33 - Personagem secundário da própria vida
Texto pós-terapia com alguns pensamentos e metáforas descabidas sobre a minha própria vida
Quem já jogou vídeo games, em especial RPGs, deve estar familiarizado com o conceito de NPC (Non-Playable Character). Sabe, aquele personagem digital que você não controla, que povoa o mundo pra dar uma ilusão de realismo ao lugar. Eles existem pelo jogador, e eles só possuem ação respondendo ao jogador.
Pense nos jogos de Pokémon. Você chega em Pewter City, encontra um homem qualquer. Você aperta o botão, abre uma caixa de texto, ele fala algo, o diálogo acaba e esse homem volta a ficar ali. Parado. Esperando o jogador interagir com ele de novo. Sempre esperando o verdadeiro protagonista da história fazer algo, para que sua existência tenha significado.
Às vezes eu me sinto igual a esse NPC.
Como se as pessoas ao me redor tivessem vidas muito mais interessantes e eu estivesse ali apenas para apoio, ou para observar, talvez intervir, mas nunca mais que isso. Minha existência se baseia na existência dos outros, eu só existo quando alguém interage comigo, e depois disso eu volto a ficar ali. Esperando.
Para algumas pessoas eu sou até parte do elenco de suporte, tenho um papel ativo em suas vidas. Quase como aquele personagem que aparece todo episódio numa série, mas não tem desenvolvimento próprio, tá ali só pra servir de suporte ao protagonista real. Até o momento que percebem que é melhor fazer um recast. Para outras pessoas eu sou só o coadjuvante. Eu apareço, faço algo muito pontual e sumo pra sempre. Sem que pensem duas vezes em mim depois.
Outra analogia que eu usei na terapia essa semana foi a de que a minha vida é como se fosse uma casa. Só que eu, mesmo sendo dono dela, estou do lado de fora, olhando pela janela toda a bagunça do lado de dentro. Algumas pessoas entram, ajudam a limpar, organizar algumas coisas. Outras invadem a casa e reviram tudo, quebram os móveis, sujam o chão, pioram toda a situação já precária da casa, e vão embora. Mas eu fico lá, olhando pela janela a bagunça. Sem conseguir entrar, nem pela porta da frente e nem pela janela que eu estou sempre olhando. Eu só consigo ficar lá, parado, observando. Esperando para o momento que eu vou conseguir entrar na casa, ou que a bagunça magicamente se arrume.
Sinto que eu sempre estou esperando por algo. Esperando respostas, esperando pelas coisas acontecerem, ou esperando pra finalmente a vida fazer sentido. Desde pequeno eu me vejo esperando. Esperando por aquele desenho passar; esperando a hora da aula de matemática acabar e vir o intervalo; esperando meus pais chegarem em casa; esperando meu irmão sair do computador para ser a minha vez.
Na adolescência também, sempre esperando o momento que alguém fosse vir falar comigo para eu conseguir fazer uma nova amizade; esperando a mensagem da menina que eu gostava para alegar um pouco o meu dia; esperando essa menina perceber que eu sou o amor da vida dela e vamos viver felizes para sempre; esperando meus amigos me chamarem pra jogar alguma coisa a tarde ou sair pra algum lugar; esperando as coisas em casa se resolverem pra gente poder se mudar; esperando a puberdade passar pra eu parar de sentir tudo tão intensamente e do nada.
Outro dia um amigo meu virou para mim e disse “Caramba, já é quase Maio”. O comentário casual dele me fez ficar transtornado, veio como um chicote no meu cérebro. Já é quase Maio. Que merda é essa? Semana passada foi o réveillon, não foi…?
Eu percebi que eu estou esperando, de novo, por algo, mas eu nem sei o que direito. Vendo o ano passar na minha frente enquanto eu me mantenho parado para tudo, numa inércia infinita sendo levado de um lado para o outro pelo caos que se tornou as minhas emoções.
Eu percebo, hoje, que eu não sei se eu já tive uma presença ativa na minha própria vida. Eu sempre me agarrei a outras coisas para me dar um objetivo, sempre de carona no propósito de outros. Eu sempre quis que alguém me dissesse exatamente o que eu devo fazer e quem eu sou, porque eu não sei se eu consigo responder essas questões.
Então já é quase Maio e eu não fiz nada esse ano que me faça sentir que valeu a pena. Eu fiquei estagnado em questões que eu não poderia resolver ou outras que me pesam tanto. Eu fiquei esperando. Um acontecimento, um milagre, talvez meus remédios fazerem tanto efeito que eu vejo o mundo de uma forma até mais colorida. Nada disso aconteceu.
Eu finalmente percebi que eu sou um coadjuvante na minha própria vida. O tempo passa, as coisas acontecem e eu vejo os dias passarem e a vida acontecer sem conseguir ter agência sobre ela. As coisas acontecem comigo, mas dificilmente eu faço algo acontecer. Eu reajo, mas não consigo agir.
Até que chegou uma hora que eu cansei disso. Eu tenho tentado mudar e pegar as rédeas da minha própria vida. Tentando fazer as coisas nos meus próprios termos, no intuito de finalmente entrar pela porta dessa casa.
Há alguns dias atrás eu tomei uma decisão difícil, mas para melhor. Numa esperança ínfima de conseguir parar de sofrer tanto e finalmente viver a minha vida e seguir em frente. Eu tenho medo de viver, foi o que eu disse para minha terapeuta. Eu tenho medo de entrar pela porta dessa casa e encarar a bagunça de perto. Mas eu tenho tentado entender o que me faz ter tanto medo e tentado finalmente viver por mim.
É dolorido demais, eu me machuco um bocado tentando finalmente me entender e me priorizar. Me machuco encarando a verdade que estava na minha frente por tanto tempo e eu quis só ignorar. Mas me priorizar também é fazer sacrifícios e reconhecer que alguns padrões não são saudáveis. Extrair a toxicidade que eu mesmo deixei entrar pelo meu pulmão. Eu deixei entrar, pensando que iria me fazer bem, até corroer e se tornar veneno. Eu adiei tomar o antídoto, fingindo que estava tudo bem. Deixei meu metabolismo fazer o seu trabalho pífio, mas enquanto isso meus órgãos necrosavam por dentro. Nem todo pensamento positivo iria resolver a questão por si só, nem ter esperanças de que as coisas iriam se resolver sozinhas com o tempo. Foi melhor fazer um corte limpo e deixar o veneno escorrer de dentro de mim.
Talvez eu não precise que o protagonista venha até mim e aperte um botão para eu ter um propósito. Eu posso simplesmente sair andando, criar uma consciência própria, ganhar níveis de experiência meus e viver uma aventura só minha. Ok, talvez eu esteja me perdendo em tanta metáfora.
A dor é passageira, o processo de cura é turvo e cheio de altos e baixos (às vezes mais baixos), mas eu percebi que eu não posso mais esperar que as coisas aconteçam. É tão óbvio dizer algo assim, mas tão difícil de realmente viver dessa forma. Ter agência na própria vida e não viver na inércia, eu nem sei se eu consigo. Mas eu tô pagando pra ver. Agora minha saúde mental tá um caos, minha vida pessoal pior ainda e a profissional eu prefiro nem comentar. Mas vou fazer a única coisa que posso fazer se eu quero melhorar: viver a minha própria vida.
Faz alguns dias desde que eu cheguei a essa decisão, ou próximo disso. Não tem sido fácil. Não mesmo, já que ela veio com uma ruptura muito grande. Em muitos momentos eu choro com frustração das coisas, do quanto eu queria que tudo se resolvesse logo pra mim e, também, por tudo ser tão difícil e eu ter que lidar com vários problemas ao mesmo tempo. Porque tudo parece tão complicado? Todo esforço e trabalho que eu fiz nos últimos meses não resultaram em nada substancial. Digo, resultaram em mais dor e solidão. E pensar que um dia eu já tive tanta certeza do que eu queria para o meu futuro e eu acreditei que um dia poderia chegar lá. Mas a vida é uma série de quebras de expectativas. Quem sabe eu seja uma pessoa menor por olhar pra trás com dor ao invés de uma boa nostalgia, um gosto amargo que se torna num nó na garganta. Tenho dor, eu tenho raiva. Eu tenho raiva do quanto eu fui ingênuo, tenho raiva do quanto eu ignorei meus problemas latentes, tenho raiva de que eu priorizei outros que nunca me colocaram como prioridade. Eu sinto tanta falta da minha vida antiga, mas sinto raiva e mágoa misturados. Sobretudo, tenho raiva de mim.
E tenho medo.
Medo de descobrir que na verdade eu já entrei na casa e eu mesmo que quebrei tudo e baguncei as coisas. E toda vez que eu entro nela, é pra isso. Um plot twist ala David Fischer feito só pra mim. Eu nunca vou conseguir entrar pra pôr tudo em ordem. Apenas observar eu mesmo quebrando tudo. Um ciclo vicioso que nunca vai acabar. Refém de mim mesmo e das minhas decisões passadas.
Será esse meu futuro? Sentir pena de mim até que eu me canse e só bote fogo na casa? Eu realmente preciso parar com as metáforas.
Considerações:
Esse texto foi resultado da terapia dessa semana. Eu vim escrevendo ele durante os últimos dias. É aquela coisa, se eu tô postando demais nesta newsletter é que eu tenho pensado demais e preciso expelir esses sentimentos em algum lugar. Eu falei que ia tentar fazer textos menos tristes, mas sabe como é. E eu tô tentando postar toda semana nessa newsletter ou no Aventureiros de Sofá (leiam por favor ;-;).
Eu relutei em postar esse texto, porque ele parece um pouco vitimista em algumas partes e por ser muito sobre minhas experiências pessoais, mas era o que tava sentindo enquanto eu escrevia voltando pra casa às onze da noite no metrô. Não gosto de me expor, não mesmo, mas desabafar aqui tem me ajudado de uma forma meio inusitada. Talvez por isso eu usei tantas metáforas. Além do mais, eu me esforcei muito pra fazer essa edição do Pokémon FireRed, então eu precisava postar!
Oi irmãozinho, tudo bem? Que bom que mesmo com a relutância você postou esse texto. É louco se identificar com cada palavra achando que fui eu quem escrevi. E não é por nada não, mas só de citar Pokémon ali, pra mim, já me entreteve completamente, haha. Essa questão do mês do ano também pega demais. Saí da escola recentemente e meio que... o tempo já tava voando. Mas estava voando enquanto eu estava cotidianamente acompanhado de outras pessoas perdidas, mas perdidas juntas. E agora, quando a mente finalmente fica sem aquela ocupação, você percebe que não sabe absolutamente NADA do que quer seguir. A escola tampouco ofereceu esse norte, esse esse auxílio no autoconhecimento. E os sonhos que pareciam tão sólidos, se derreteram.
Vendo esse seu texto, eu percebo muito um padrão saudável de, tipo... o primeiro passo, é entender que a merda toda tá estabelecida. O segundo passo, é a parte prática de sair do primeiro e parece ainda mais difícil, honestamente. Quando você entende os vícios, o vazio existencial, as feridas da infância e que a gente tá cada vez mais numa autodepreciação e ruminação absurda por coisas que nem sempre são culpa nossa. Já parou pra pensar o quão louco é isso? Onde os superiores, criadores, vendedores de curso, expõem que essa geração é a que mais tem acesso, mais tem facilidade, mais tem suporte. E ao mesmo tempo, quando você finalmente sai um pouco do "estádio estético" da vida e vai pro ético, passa a compreender que a porcentagem absurda do que você é na verdade nem é seu, é só parte do que colocaram na sua mente. Talvez nem os seus sonhos sejam seus. Suas ambições, o que você considera como objetivos, o que você discerne entre bem e o mal, podem ser seus. E aí fica aquele questionamento interminável, onde muitos em carência existencial e emocional, buscam a resposta mais "segura". Não visando muita polêmica, mas é o que se vê entre os jovens nesse evangelistão gradativo e coletivo, que mais parece uma catarse emocional, um pertencimento e uma fé rasa aderida ao cotidiano, do que uma real busca pela espiritualidade e questionar-se realmente sobre esse vazio da vida. É um pouco louco tentar buscar respostas em meio a esse caos todo. Mesmo diante de inúmeras tragédias, crises climáticas, catástrofes o tempo todo, tem gente sofrendo na mesma medida mesmo inerte, e como? Pelo mental. E aqui nem cito os que estão em estado vegetativo com pouca idade, os idiotas que vivem em plenitude e quem lucra sob povos com condição precária com a premissa de que qualquer um pode ser o que quiser, inclusive um milionário começando do zero.
O mundo tá uma loucura. Valeu pelo espaço, irmão.
lindo! simplesmente lindo 🥺